Time-blocking: use com moderação

Andrea Faggion
6 min readJan 21, 2024

Time-blocking é um método de produtividade popularizado (não sei se inventado) por Cal Newport. O método consiste em tratar tarefas e atividades como se fossem compromissos envolvendo outras pessoas. Por exemplo, você costuma agendar um evento no seu calendário quando ele diz respeito a uma hora marcada com alguém, seja uma aula ou uma consulta médica. Mas, se você precisa estudar para uma prova ou lavar roupa, normalmente, você não usa seu calendário para se lembrar disso. Se você é do tipo que anota o que precisa fazer, é mais provável que você use algum aplicativo de tarefas com lembretes. Pois muito bem, quem propõe o método time-blocking propõe que você agende horários de início e fim para executar suas tarefas e marque esses horários no seu calendário. Eu resolvi escrever este post, porque tenho notado uma certa tendência entre gurus da produtividade, com destaque para Ali Abdaal, de aconselharem que você adote este método para tudo na sua vida, incluindo, portanto, seus momentos de lazer, como hobbies, e até o tempo que você passa com familiares e amigos. Em uma palavra, eu considero essa radicalização uma sandice. Este post é para explicar por quê.

Abdaal diz que, ao atribuir blocos de tempo para tudo que lhe importa na vida — trabalho, hobbies, descanso e relacionamentos — você assegura que terá tempo para tudo que é importante para você, em vez de apenas reagir ao que aparece ou ao que jogam em cima de você durante o dia. Quem lê este blog, sabe que eu sou uma entusiasta de estratégias para nos protegermos do bombardeio de demandas sofrido por nossa atenção nos tempos modernos. Este é o espírito que anima a prática de time blocking. Ainda assim, eu vejo claramente os malefícios de, nas palavras de Abdaal, tratarmos nosso tempo como um budget de 7 porções semanais de 24 horas a ser alocado em diferentes atividades.

Meu ponto é que nossas vidas não devem ser tão absolutamente planejadas, não devem transcorrer sempre de acordo com nossos desígnios. Eu acredito que haja uma postura mais sábia diante da abundância de coisas valiosas que poderíamos fazer em comparação com o tempo limitado que temos. Deveríamos simplesmente aceitar que não podemos fazer tudo que seria bom ou importante que fizéssemos. A grande vantagem de aceitarmos que não podemos buscar ativamente a excelência em cada aspecto da vida ou aproveitarmos cada oportunidade que temos é que ficamos mais abertos a acontecimentos aleatórios que não poderíamos ter previsto e cujo valor, talvez, nem teríamos antecipado.

Ademais, quando marcamos hora para tudo que nos importa na vida, incluindo hobbies e relacionamentos, nos esquecemos de um detalhe muito simples. Há diversas coisas na vida que temos boas razões para fazer, mas apenas sob a condição de estarmos com vontade de fazer. Por exemplo, você pode descrever para mim todos os benefícios de um determinado passeio para o qual você está de saída, tentando me convencer a acompanhá-lo. Se, no momento, eu não sentir a menor vontade de fazer um passeio, se o dia nublado, depois de uma semana cansativa, me convida mais a fazer um chá e ler um livro, seria estúpido da minha parte me forçar a fazer o passeio com você só porque, em tese, é um passeio de valor. Na teoria da razão prática, alguns filósofos expressam esse fenômeno dizendo que há razões que só se aplicam a nós de forma condicionada ao nosso estado de espírito, e não apenas ao nossos fins e projetos. Em suma, algo é bom, mas, se não lhe apetece na hora, esse bem não lhe fornece razões para a ação. Às vezes, sair para andar com seu cachorro porque deu vontade pode ser algo muito mais gratificante e significativo do que ligar para um amigo distante só porque era isso que sua agenda lhe dizia para fazer naquele momento, mesmo que, em geral, você considere sua relação com esse amigo mais importante do que os momentos que você passa com seu cachorro.

Contra essa tendência de excessos relativos ao método de time blocking, eu sugiro um maior equilíbrio entre planejamento (a parte estruturada do seu dia e da sua semana) e espontaneidade (a licença que você se concede para fazer o que der vontade na hora). Isso não significa que na parte não estrturada do seu tempo você precise ficar de plantão no WhatsApp respondendo o que aparecer ou, então, ficar olhando para o feed infinito de alguma rede social. Talvez, você realmente goste disso. Mas eu acho mais provável que seja o tipo de coisa que, se você ficar fazendo por horas, depois, se sentirá como a gente se sente quando come junk food. Eu, ao menos, só sinto que ingeri um monte de calorias que não valeram a pena. Para evitar passar seu tempo livre fazendo esse tipo de coisa a que você mesmo não dá qualquer valor, só por falta de alternativa ou desatenção, você tem que cuidar do seu ambiente, do tipo de oportunidade a que você se expõe.

Eu, por exemplo, deletei os meus perfis nas principais redes sociais. Por outro lado, eu cuido muito da minha casa para que ela me ofereça oportunidades de atividades que eu julgo gratificantes. Eu tenho um jardim, uma horta, sempre tenho ingredientes frescos para poder cozinhar, etc. (Aliás, eu acho que, morar em uma casa, em vez de um apartamento, ajuda muito a manter um estilo de vida em que horas vagas podem ser mais satisfatórias.)

Outro fator fundamental para não desperdiçarmos horas vagas é não sermos pessoas muito acessíveis. Parece que, hoje em dia, todo mundo tem pânico de não poder ser contatado, assim como parece feio e imoral negar ao outro o direito de lhe contatar sempre que ele quiser. Pois eu considero que uma boa vida requeira não apenas que você selecione com cuidado o que lhe cerca, o meio que você habita, o que você sempre tem à mão, mas também quem pode ter acesso irrestrito a você. Os meus superiores e colegas de trabalho em geral conseguem falar comigo à vontade no meu horário de trabalho, assim como meu círculo familiar mais próximo e meus amigos íntimos conseguem me contatar quando querem. Mas eu não quero ver a mensagem de qualquer pessoa do mundo que queira falar comigo na hora em que ela quiser. Eu nem uso aplicativos de mensagem instantânea para evitar que isso aconteça. Muita gente fica brava e deixa de falar comigo por isso. Mas a intenção é justamente essa. Eu não sou política e nem trabalho com vendas. E, definitivamente, eu não consigo ter dezenas de conexões significativas na vida.

Por fim, para não ser injusta com o Abdaal — que escolhi como principal representante da tendência de radicalização do time blocking, já que o livro dele, Feel Good Productivity, é o best seller da vez — vale dizer que, embora ele proponha que planejemos completamente a nossa semana, ele também diz para considerarmos esse plano apenas como uma semana ideal, já que é possível que nunca consigamos seguir exatamente o plano. Segundo ele, não deveríamos nos estressar se imprevistos nos tiram do caminho que traçamos, porque isso é esperado. Todavia, eu não acho que essa observação resolva o problema. Talvez, até o agrave.

O problema de ter um plano tido como ideal é que todo acontecimento não previsto passa a ser visto como um obstáculo em potencial no seu caminho. A programação mental de ver qualquer coisa que não tenha sido antecipada e não seja compatível com o plano traçado como um problema pode ser o maior defeito do método proposto. Quando todo o seu dia está estruturado e você olha para esse plano como o seu dia ideal, o convite inesperado para um café de um amigo que você não via há muito tempo passa a ser algo subótimo, um defeito do seu dia, em vez de um golpe de sorte.

Em suma, sim, disciplina e planejamento são importantes. Eu aconselho que você tenha (umas poucas) prioridades na vida e lute por elas com unhas e dentes, no sentido de blindá-las contra os acontecimentos aleatórios da vida. Mas, pelo seu próprio bem, não se esqueça que algumas das melhores coisas da vida simplesmente acontecem conosco. Você nem as verá acontecendo se seus olhos estiverem sempre no seu calendário, atentos ao próximo compromisso consigo mesmo.

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Andrea Faggion

Sou professora de filosofia. Escrevo sobre temas ligados à ética, à filosofia política e à prática de pesquisa.