Sobre o protagonismo feminimo em filmes de ação

Andrea Faggion
4 min readJan 14, 2024

Quando eu era criança, 99,9% dos filmes de ação eram protagonizados por homens brancos. De certa forma, eu acho positivo que este não seja mais o caso, porque eu vejo a importância, sobretudo para os mais jovens, de podermos nos identificar com quem admiramos ou simplesmente respeitamos. Porém, é por isso mesmo que eu sinto um certo desconforto com essa tendência da atualidade de atribuírem o protagonismo dos filmes de ação a mulheres, como parte de uma estratégia política de “empoderamento feminimo”. Há três pontos que eu gostaria de levantar sobre isso.

O primeiro ponto é relativo ao que me parece ser uma exclusão deliberada de mulheres com um fenótipo mais claro. Eu posso estar errada, porque eu admito que não vejo muitos filmes de ação, sendo que tampouco fiz um levantamento para fazer essa afirmação. Eu sei que falo sobre uma amostra muito limitada. Ainda assim, me parece uma amostra representativa de uma certa mensagem que se quer passar de que o tal “empoderamento” não pode incluir brancas. Vou dar um exemplo. No filme Rebel Moon, uma mocinha de pele branca, cabelos loiros e olhos azuis é colocada no papel que era tipicamente reservado a mulheres em filmes do gênero. Ela é completamente indefesa e está para sofrer um estupro coletivo. Qual é o “empoderamento” para esta garota? Nenhum! A única diferença é que, no passado, um homem apareceria para salvá-la. Hoje em dia, quem a salva é uma mulher não branca.

Essas escolhas, ainda mais hoje em dia, não são aleatórias. A ideia é que a mulher branca já é uma privilegiada por ser branca. Assim, ela não pode ter seu privilégio maximizado pelo movimento feminista. Particularmente, eu discordo. Mulheres brancas também sofrem violência e preconceito. Sofrem por serem mulheres, não por serem brancas. Não quero dizer com isso que a situação de mulheres não brancas não seja ainda muito pior. Só não vejo o porquê de se passar essa mensagem deliberada de que o lugar da mulher branca deve continuar sendo um lugar de vulnerabilidade e fraqueza.

Um segundo ponto que me chama a atenção nesses filmes é o abuso da ideia que o mais fraco possa bater no mais forte. Isso sempre esteve presente nos filmes com protagonistas do sexo masculino, mas é algo muito mais gritante nos filmes de hoje em dia, em que, volta e meia, uma mulher, sem qualquer super poder, aparece surrando vários homens simultaneamente, sendo que cada um deles tem quase o dobro do peso dela. Isso é tão inverossímil que eu duvido que sirva ao tal propósito de “empoderamento”. Quem querem enganar? Todos sabemos que qualquer um dos golpes que a mulher sofre nessas cenas teria sido o suficiente para nocauteá-la. Mas ela segue de pé, trocando golpes, até que os homens não aguentem mais. Francamente! Para mim, esse tipo de violência à realidade só depõe contra qualquer causa.

Agora, o que eu acho realmente importante é um terceiro ponto. Note que as mulheres são “empoderadas” em universos que continuam sendo completamente masculinos. O tal “empoderamento” consiste em simplesmente colocar mulheres agindo como homens, no que os homens têm de pior. O hormônio masculino é o hormônio da agressividade. Seja por razões puramente biológicas ou também culturais, não é por acaso que as penitenciárias estão abarrotadas de homens, e não de mulheres. A atualidade, a história e até a pré-história estão aí para nos mostrar que uma sociedade que recorre à força bruta como modus operandi será sempre uma sociedade dominada por homens, não importa o que queiram os ideólogos da Califórnia. Portanto, para que mulheres sejam realmente “empoderadas”, a força precisa ceder lugar à inteligência, ao pensamento estratégico e até, por que não dizer, à empatia ou, ao menos, à diplomacia na resolução de problemas.

Mas é claro que, em se tratando de filmes de ação, ninguém quer que batalhas sejam evitadas por conchavos políticos bem articulados. Tudo que se quer é a pancadaria. O que eu pergunto é se é bom para mulheres sermos incentivadas a participarmos da pancadaria, como se estivéssemos sendo incluídas em alguma coisa muito boa, da qual não devêssemos ficar de fora. Para mim, pelo contrário, o verdadeiro empoderamento da mulher é a construção de uma sociedade menos primitiva. Penso que a igualdade de gênero seja necessariamente uma conquista civilizatória, impossibilitada pela selvageria. A selvageria tende a nos subjulgar, a nos colocar no lugar realista da mocinha que sofre o estupro coletivo, e não no lugar fantasioso da mulher que aparece para bater sozinha em 15 homens.

Em suma, eu diria que, se é para “empoderarmos” mulheres, isso deveria ser feito de maneira mais inclusiva, sem a manutenção deliberada de mulheres brancas em posição subalterna; de maneira mais realista, sem que precisássemos fingir para nós mesmos que mulheres podem fazer o que não podem; de maneira mais sábia, sem a glorificação da violência como um bem em si mesmo do qual deveríamos compartilhar. Temos virtudes tipicamente femininas, não precisamos exibir os vícios tipicamente masculinos como se eles fossem virtudes.

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Andrea Faggion

Sou professora de filosofia. Escrevo sobre temas ligados à ética, à filosofia política e à prática de pesquisa.