Breve conselho sobre escrita acadêmica

Andrea Faggion
4 min readJun 2, 2021
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A rigor, o meu conselho não se restringe à escrita acadêmica. Vale para qualquer um que escreva textos dissertativos um pouco mais formais do que posts para blogs, visando um público minimamente letrado. Falo de situações em que você quer desenvolver um argumento com alguma seriedade, sem poupar o seu leitor do esforço de se concentrar no que está lendo e acompanhar um raciocínio. Nesses casos, você mesmo — o autor — não pode se furtar ao esforço de construir parágrafos. Sim, é esse meu conselho, que está mais para puxão de orelha mesmo, eu admito. Você precisa construir parágrafos!!!

Um parágrafo é a unidade de uma ideia. Ideias precisam ser desenvolvidas e explicadas. Por exemplo, neste parágrafo, como eu enunciei na sentença que o abre, eu preciso explicar o que significa dizer que cada parágrafo contém uma ideia. Eu ainda não fiz isso, portanto, eu preciso evitar a tentação de apertar a tecla “enter”. Se eu apertar enter, vou comunicar que eu já concluí a ideia. Portanto, a quebra de parágrafo tem uma função comunicativa. Ela comunica justamente que a ideia está completa. Em outras palavras, um parágrafo começa anunciando o seu tópico. Então, ele desenvolve esse tópico com alguns exemplos e evidências. Quando surge o momento de fazermos a transição dessa ideia para uma outra, aí, então, e só então, podemos apertar a tecla enter. Não antes!

O grande problema que eu venho constatando nos textos de vários dos meus alunos é que eles apertam enter após todo ponto final. Isso é um erro muito grave, como explicado no último parágrafo. E o que mais me frustra é que, aparentemente, eu não apenas preciso refazer essa observação para cada aluno, como também preciso repeti-la eternamente para o mesmo aluno. As pessoas parecem não dar importância ou não serem capazes de assimilar o que estou dizendo aqui. Isso me deixa pasma, porque, afinal de contas, estou cobrando uma norma que pode ser constatada na prática de qualquer obra acadêmica (ao menos, na minha área). Duvida? Você tem aí uma prateleira com livros acadêmicos da área de filosofia? Estenda a mão e pegue qualquer um deles! Agora, abra em uma página aleatória. Quantos parágrafos com uma sentença só você está vendo? Pois é! Será que é tão difícil assim aprender por imitação? Acho que não. Acho que estão apenas imitando a coisa errada: os exemplos de fast food, ou melhor, de fast reading da internet.

Ao que tudo indica, as pessoas aprendem na internet que o papel do parágrafo está meramente ligado à nossa fisiologia: a vista descansa melhor com mais espaço entre as sentenças. Mas não é só a preguiça de ler que explica o desuso da construção de parágrafos entre alunos. É, acima de tudo, a preguiça de escrever. É muito mais difícil escrever tendo justamente que qual o momento certo de apertar enter. O mais fácil é convencionar que ele vem após cada ponto final, e pronto.

Acontece que essa preguiça não representa uma vontade de poupar energia com perfumarias estilísticas. Espero que você já tenha entendido, a essa altura, que o parágrafo não é uma frescura. Ele é importante exatamente, porque, para desenvolver seu argumento, você precisa discernir suas ideias umas das outras, ao mesmo tempo em que pensa em como cada uma delas deve ser explicada, bem como na ordem em que devem ser apresentadas. Coloco este parágrafo no começo ou no final? Esta pergunta equivale a uma decisão sobre uma ideia dever ser apresentada antes ou depois. Eu expliquei adequadamente essa ideia? Eu realmente entendi do que se trata? Temos que responder a essas perguntas toda vez que finalizamos um parágrafo.

Muito bem. Já é meu sexto parágrafo sobre parágrafos. Já está de bom tamanho. Antes de concluir, porém, eu só quero ainda alertar para o fato de que construir sentenças gigantes não resolve o problema que estou apontando aqui. Isso só piora as coisas. Por vezes, o parágrafo da pessoa só tem uma sentença, porque essa sentença única, que deveria ser dividida em umas cinco sentenças, é o parágrafo todo. Então, vamos combinar uma coisa: a partir de hoje, você será tão moderado com a tecla enter quanto será pródigo com o uso do ponto final. Alterne a extensão de suas sentenças, para que seu texto ganhe ritmo. Mas, pelo amor de Deus, não diga toda a ideia do parágrafo em uma sentença só.

Eu até queria ainda conectar esta última ideia a uma outra, que seria o que vejo como a causa desse problema das sentenças de dez linhas: o fato das pessoas não terem o hábito de revisar e reescrever. Contudo, para tanto, eu precisaria de ao menos mais um parágrafo…

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Andrea Faggion

Sou professora de filosofia. Escrevo sobre temas ligados à ética, à filosofia política e à prática de pesquisa.